Sexo como Autolesão na Perturbação de Personalidade Borderline
O sexo como autolesão (SASI) pode descrever-se como a exposição voluntária a situações sexuais que incluam danos psicológicos e/ou físicos tal como outros comportamentos autolesivos. Assim, estão presentes sentimentos intensos, repetitivos e recorrentes, como vergonha, culpa, ansiedade, nojo e ódio dirigidos ao próprio, que são temporariamente amenizados pela exposição a situações sexuais, como o abuso físico e humilhação (Fredlund et al, 2017).
Os comportamentos descritos como manifestações de sexo como autolesão envolvem danos psicológicos (envolvimento voluntário em atividades sexuais apesar do sentimento de não querer estar envolvido, podendo até não existir atração sexual) e físicos (procura ativa de situações nas quais a pessoa possa experienciar violência física ou sexual) (Fredlund et al., 2020). Algumas pessoas que recorrem a este comportamento descrevem estas situações sexuais como algo opcional, onde existia a capacidade de sair da mesma, tendo havido uma busca ativa e deliberada por contacto sexual (Fredlund, 2018).
O sexo como autolesão pode ser utilizado como forma de controlo da ansiedade e dos sentimentos e pensamentos negativos, sendo uma forma de repetir e controlar memórias, dando às pessoas um sentimento de controlo sobre a situação. Pode também ser uma tentativa de preencher um sentimento de vazio, de modo a tentar sentir algo. (Fredlund et. al, 2017; Fredlund et al., 2020; Zetterqvist et. al, 2018).
Pessoas com Perturbação da Personalidade Borderline (PPB) podem recorrer ao sexo como uma estratégia de coping autodestrutiva e maladaptativa para tentar aliviar a intensidade ou o desconforto de certos sentimentos, sendo a sexualidade usada frequentemente para evitar sentimentos cónicos de vazio ou para amenizar a ansiedade de abandono (Richards & Laaser, 1999). Várias pessoas com PPB apresentam um estilo de vinculação inseguro (marcado pelo medo de abandono), portanto, é expectável que a sexualidade destas pessoas seja afetada pelo mesmo (Bouchard et al. 2009).
A forma mais comum de SASI em pessoas com PPB é manifestada através da complacência sexual, que se refere à disposição de uma pessoa de se envolver em sexo indesejado, ou seja, apesar de haver consentimento, a pessoa não o quer fazer, fazendo-o por razões externas, por exemplo, como forma de aliviar o medo de abandono característico desta perturbação. De facto, vários estudos indicam que pessoas com PPB são mais suscetíveis a ter dificuldades em estabelecer e impor limites claros e saudáveis para a atividade sexual, o que as torna mais vulneráveis à coerção sexual quando o seu relacionamento é ameaçado (Willis & Nelson-Gray, 2017).
O sexo como autolesão, sendo potencialmente traumático e perigoso devido à exposição a situações de alto risco, deve preocupar não só psicólogos como também os setores social e da saúde, de modo a tentar preveni-lo e garantir os cuidados e assistência necessários às pessoas que recorrem ao mesmo.O psicólogo tem ainda a crucial tarefa de diminuir o estigma contra pessoas com PPB, sendo esta uma das principais causas da dificuldade destas pessoas para arranjar e manter emprego. Isto pode ser conseguido através de formações, para que não só estes trabalhadores se sintam mais acolhidos, como também os seus pares se mostrem mais apoiantes e educados, de forma a tentar reduzir conflitos interpessoais, causados por ambas as partes.
Referências
Bouchard, S., Godbout, N. & Sabourin, S. (2009). Sexual attitudes and activities in women with Borderline Personality Disorder involved in romantic relationships. Journal of Sex and Marital Therapy, 35(2), 106-121–121. https://doi.org/10.1080/00926230802712301
Fredlund, C. (2018). Adolescents Selling Sex and Sex as Self-Injury. Linköping University Electronic Press.
Fredlund, C., Wadsby, M., & Jonsson, L. S. (2020). Motives and Manifestations of Sex as Self Injury. Journal of Sex Research, 57(7), 897–905. https://doi.org/10.1080/00224499.2019.1689377
Fredlund, C., Svedin, C. G., Priebe, G., Jonsson, L., & Wadsby, M. (2017). Self-reported frequency of sex as self-injury (SASI) in a national study of Swedish adolescents and association to sociodemographic factors, sexual behaviors, abuse and mental health. Child & Adolescent Psychiatry & Mental Health, 11, 1–11. https://doi.org/10.1186/s13034-017-0146-7
- Richards, S., & Laaser, M. (1999). Sexual Acting out in Borderline Women: Impulsive SelfDestructiveness or Sexual Addiction/Compulsivity? Sexual Addiction & Compulsivity, 6(1), 31. https://doi.org/10.1080/10720169908400177
- Willis, M., & Nelson-Gray, R. O. (2017). Borderline personality disorder traits and sexual compliance: A fear of abandonment manipulation. Personality and Individual Differences, 117, 216–220. https://doi.org/10.1016/j.paid.2017.06.012
- Relationship to abuse, risk behaviors, trauma symptoms, self-esteem and attachment. Psychiatry Research, 265, 309–316. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018.05.013
- Zetterqvist, M., Svedin, C. G., Fredlund, C., Priebe, G., Wadsby, M., & Jonsson, L. S. (2018). Self-reported nonsuicidal self-injury (NSSI) and sex as self-injury (SASI): Relationship to abuse, risk behaviors, trauma symptoms, self-esteem and attachment. Psychiatry Research, 265, 309–316. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2018.05.013
Autoria: Beatriz Zilhão e Marta Ferreira, 2024