Um caminho Borderline
“A minha jornada com a psiquiatria e a psicologia começou quando tive o meu primeiro filho e fui diagnosticada com depressão pós-parto. Situação que eu neguei e em que me recusei a aceitar tomar medicação.
A minha infância foi boa e má ao mesmo tempo, no entanto, com bastantes traumas. Eu era uma criança doce e meiga, com uma grande necessidade de ficar num mundo interior, real ou imaginário. Criativa e social, não tinha problemas em me adaptar a qualquer ambiente. O meu maior problema era querer agradar a toda a gente. Eu queria ser importante, aliás , a mais importante! Queria ser a primeira escolha de alguém.
Esse sentimento de não pertença e de invisibilidade tinha que ver com a fraca aptidão dos meus pais para serem presentes e me fazerem sentir amada. Isso aliado ao seu divórcio, ao ambiente de violência doméstica na casa da minha avó, onde eu residia, criou demasiados medos e ansiedades em mim. Sempre fui sensível e empática, mas também teimosa, não aceitava qualquer critica e considerava tudo como um ataque.”
Não me sentia compreendida e valorizada.
“Em criança brincava muito sozinha, não porque as outras crianças não quisessem estar comigo, as pessoas tendiam até a gostar bastante de mim, era uma opção minha ter o meu espaço, a minha fantasia e o meu controlo. Na realidade eu tinha a necessidade de estar com os outros e sozinha ao mesmo tempo. Na minha vida sempre foi tudo muito intenso e dramático. Mesmo já adulta, lidar com as frustrações, os problemas e imprevistos da vida é difícil.
Quando a minha avó morreu eu tinha 19 anos, a partir daí comecei a ter ataques de pânico de noite. Eu sempre tive medo da noite, e sempre tive pesadelos, e hoje entendo que talvez até tivesse alguns episódios, apesar de raros, de psicose. Tive sempre namorados, era ciumenta e obsessiva, muito controladora. O facto de ter essa dependência e apego fez com que as pessoas me magoassem muito e relações que poderiam ser saudáveis se tornassem tóxicas. Mesmo em relações de amizade era cansativo eu querer muito falar sobre mim, ser ouvida, e querer expressar o que sentia, que por norma era mau.
Isso cansa as pessoas.
Muitas pessoas fui eu quem afastei, porque num momento gostava muito e no outro cansava-me. Hoje arrependo-me de ter tido tendência para a pessoa favorita, porque descartei pessoas muito válidas e de quem gostava imenso. A tendência quando me magoavam, era se pedissem desculpa, eu perdoava logo, independentemente do erro, não conseguia sair. Implorava para não ser abandonada. Quando não conseguia controlar a pessoa, essencialmente no caso de namorados, tornava-me agressiva verbalmente e cheguei a ser agressiva fisicamente. Disse que me matava, cheguei a empoleirar-me numa janela do quinto andar e sei que por sorte não caí.”
“Eu queria morrer, mas eu não queria morrer...”
“Esta dualidade que vive dentro de mim e o vazio constante tornam-se insuportáveis, pois fazem com que eu não sabia quem sou, ou em que acredito. Estar sempre alerta e constantemente a ser inconstante é desgastante. Tomei comprimidos duas vezes, mas arrependi-me no segundo a seguir. Não era o suficiente para ficar mal e eu sabia disso, pois eu não queria morrer, eu só queria que as pessoas se preocupassem comigo. Pensava em tantas parvoíces: quem me dera ser atropelada, quem me dera ter cancro, quem me dera...mas não tinha coragem, porque não queria que me atribuíssem culpa.
A culpa e a auto critica são minhas inimigas, construídas e alimentadas por mim. Não consigo ultrapassar situações, parece até que é rancor, mas a minha mente fica em loop sem eu ter controlo. Hoje já consigo responder de forma mais positiva aos pensamentos ruminantes. Sou sensível a formas de falar, isso condiciona muito como eu reajo e vejo as pessoas. É uma montanha russa de emoções num só dia. Ter Borderline é ter a capacidade de agir para melhorar e ao mesmo tempo lidar com coisas que fogem do nosso controle. É esquisito, eu sei.
Na adolescência tive problemas com o álcool e muita curiosidade com drogas. Li o livro “Os filhos da droga” e o que retirei foi, eu quero muito sentir o que ela sentia, o não estar cá, a despreocupação, a mente desligada de medos e sentimentos dolorosos. Felizmente consegui ultrapassar isso. Acho que o gastar dinheiro, comprar e comprar, é aquilo que ainda me afecta muito.
Para aliar a isto tudo, quando fui mãe em 2019 tive depressão pós parto. Não estava preparada para cuidar de alguém, quando eu só queria que cuidassem de mim. Cheguei a ter pensamentos de agressão ao bebé, cheguei a não aguentar ouvir chorar, e a ao mesmo tempo ter um medo enorme e irreal de que ele se sentisse rejeitado, como eu me tinha sentido. Não quis tomar medicação e neguei a minha condição. Nessa altura andava numa igreja evangélica, que me ajudou em parte da minha vida, mas que também me desajustou. Lá estão estes dois mundos a viver numa só pessoa.
Na altura em que tive o meu primeiro filho era efectiva no meu trabalho e despedi-me. Não aguentava a pressão trabalho/filho. E como eu costumo dizer quando falo disto, não podia deitar fora o filho, mas tinha de aliviar a pressão. Foi nessa altura que passei a ficar com ele e a gostar disso. Ele tinha cerca de 8/9 meses. Foi muito duro ver que eu não conseguia executar a expectativa de vida que tinha. Não entendia porque é que todos conseguiam ter tudo e eu não. O meu cv tem imensos trabalhos e cursos, porque gosto de aprender e acabo por me aborrecer e querer coisas novas. Sempre quis trabalhar no que gostava, mas ainda não descobri o que é que isso significa, pois parece que gosto de tudo e de nada.
Quando estava grávida da minha segunda filha tive crises de ansiedade acentuadas e novamente ataques de pânico. Então eu cedi a tomar o anti depressivo que a médica me receitava, pois não queria passar por aquilo que tinha passado anteriormente. A minha filha trouxe-me as pazes com a maternidade e o início da terapia. Tive 3 psicólogos de que não gostei e já fui a muitos psiquiatras, até encontrar a minha psicóloga atual, que há cerca de dois anos foi quem me fez uns testes e me disse que eu tinha Borderline. A minha psiquiatra atual também é bastante competente.
Ao início, do que lia, achava que eu não tinha nada a ver com aquelas características de ser manipuladora, que era o que diziam os sites. Até que li o livro do Dr João Carlos Melo e percebi que alguém que nunca me viu ou falou comigo descrevia a minha vida inteira. As minhas emoções de 30 e tal anos estavam ali todas, tudo o que tinha pensado e sentido. Comecei a aceitar o meu cenário. Quando melhoro e em fases de maior alegria, parece que não tenho nada, é como se tudo fosse mentira, quando fico em crise entro em desespero e chego a pensar que enlouqueci.
As oscilações de humor sempre foram muito grandes, e por causa disso, várias pessoas da minha rede de amigos, família, conhecidos, não entendem que eu posso estar a conversar e a rir num momento, e no minuto a seguir estar noutro mundo em introspecção. Dissocio com muita facilidade. Nunca me cortei, estive perto uma vez, mas não chegou a acontecer. Atualmente acredito que estou no caminho para melhorar e para conseguir lidar com tudo isto da melhor forma. Ainda é difícil aceitar e compreender. Sei que estou melhor nalguns parâmetros, mas também pior noutros.”
“O caminho faz-se caminhando. Também fui diagnosticada com ansiedade generalizada e crises de pânico, e tenho traços obsessivo compulsivos. Acredito que não seja fácil para as pessoas ao meu redor lidarem comigo. Para mim própria também não é. Ainda fico muito em baixo com gatilhos que nem eu consigo identificar e ainda fico triste por não ter a capacidade de fazer tudo aquilo que me foi incutido como normal: trabalhar 8 horas diárias, por exemplo. Apesar de tudo, o meu marido, que foi o meu namorado desde os 17 anos, cuja relação horrivel e tóxica que tivemos se tornou bonita, faz-me ter segurança. Ainda tenho uma dependência emocional grande dele e um sentimento de protecção nele que me causa algum receio. Ser cuidada, protegida e amada é aquilo que o border não me faz sentir e que abre aquele vácuo dentro de mim.”
“A todos os que passam, passaram ou vão passar por isto: vocês são únicos, mas nunca estarão sozinhos.”
Autoria: Anónima, 2024